“Pareceu-nos que os escríptos de qualquer auctor se defendem a si próprios. É inútil sair a terreiro a quebrar lanças por eles. O publico lê-os; lê a crítica; compara e julga. É quanto basta”. Cit A. A. Teixeira de Vasconcellos (séc. XIX)
No século XIX, a vinicultura portuguesa era sujeita, através dos livros ou através de toda a informação escrita, a uma discussão acesa e polémica que não se visualiza no século XXI.
Quem aborda os temas do vinho e da vinha nos dias de hoje, muitas vezes não tem interesse e/ou oportunidade de consultar, ler ou abordar a linguagem com que nos séculos passados enriqueceram técnicos, consumidores e o público em geral.
Refiro-me por exemplo aos temas abordados e discutidos por 3912 congressistas no Congresso Vitícola Nacional de 1895, que em relatório extenso debateram, muitas vezes em discurso directo com os Mestres da altura, temas como: O que é o Vinho? O que são Vinhos de Pasto?
Já no Século XVIII (1790), no livro "Memórias da Agricultura" (premiado pela Academia Real das Sciencias de Lisboa) de Francisco Pereira Rebello da Fonseca se abordam temas como “conveniente e cautelas necessárias para a cultura das vinhas em Portugal, para a vindima, extracção e fermentação do mosto, conservação e bondade do Vinho, e para melhor reputação e vantagem d´elle importante ramo de nosso Comércio”.
O próprio Vicêncio Alarte em 1792 edita “Agricultura das vinhas e tudo o que pertence a ellas até perfeito recolhimento do vinho, & relação das suas virtudes & da cepa , vides ,folhas & borras” (reeditado em 1733 e 1818), tendo sido talvez o primeiro livro técnico sobre vinhos em língua portuguesa, afirma sobre o vinho ”entre todas as bebidas e mantimentos é o mais confortativo em razão da familiaridade que tem com a Natureza”.
Na minha biblioteca histórica do Vinho, o tema Vinho de Pasto é abordado por dois dos Mestres que participaram no tal Congresso Vitícola Nacional.
Cito por exemplo António Augusto de Aguiar, Professor de Química, que no seu livro de 1876 “Conferências sobre Vinhos“ define:
“Vinho de Pasto! O typo da innocencia oenológica e segundo nós, o typo da mediocridade … mais barato e humilde que os outros … o vinho de pasto é como a beleza; não precisa de adornos para brilhar. O assúcar e o álcool, que são duas perolas da vinificação, postos n´este vinho, são como as galas que enfeitam a velhice… tornam-na simplesmente ridícula “.
…O nosso vinho de pasto, o vinho que nos alegra o olho …que nos captiva e enche de orgulho , é valente como a pólvora, negro como o fundo de um poço , encorpado como a baeta … contém um regimento de saes, que disputam ao tanino , um cantinho de menstruo para se dissolverem . É quase uma caixa de reagentes …”
Para António Batalha Reis, autor do livro “Vinhos de Pasto” de 1894 e relator no Congresso deste tema: “digo eu, no livro que escrevi… é um vinho fraco, ligeiro, novo, apaladado e fresco, que não possue nem a magreza e o esquinado do Vinho secco e delgado , nem o cheio e a doçura do maduro…é enfim o typo de vinho que o consumo geral de todos os paizes escolheu ,para acompanhar as refeições” .
Para nós consumidores que julgamos ter a certeza das coisas e dos factos, basta avaliar a discussão acesa daquele Congresso para este tipo de vinho, para descobrirmos que o debate hoje também seria importante, e que, apesar da legislação ser recente, muitas arestas são precisas limar.
E se cada um de nós tentar definir O que é Vinho? poderá perceber, o porquê do Visconde de Coruche em 1904 ter escrito uma longa separata na Revista Agronómica, dizendo que “toda a gente sabe, ou julga saber, o que é Vinho” .
“C´est un vin à boire en degustant l´histoire” (este é um vinho para beber enquanto aprecia a história)
Cit. Kaikô Takeshi